PRODUÇÃO CIENTÍFICA: ARTIGOS

Ago/2009Cistectomia Radical Laparoscópica no Câncer Vesical

Mirandolino B. Mariano, Marcos V. Tefilli
Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil


RESUMO

Objetivo: Os autores relatam sua experiência com um grupo de pacientes submetidos a cistectomia radical laparoscópica para tratamento de carcinoma vesical.

Material e Métodos: No período de Abril de 1998 até Março de 2005, 12 homens e 2 mulheres, com idades entre 47 e 81 anos, portadores de carcinoma vesical, foram submetidos a cistectomia radical vídeo-laparoscópica. Destes, 3 casos foram pacientes resgatados cirurgicamente após falha de quimio e/ou radioterapia. O procedimento incluiu linfadenectomia pélvica bilateral, cistectomia radical e ureterostomia cutânea realizadas completamente por via intracorpórea.

Resultados: Não houve conversão para cirurgia aberta. O tempo cirúrgico médio foi de 180 min e a perda sanguínea média de 180 ml. Não houve complicações significativas tanto no trans com no pós-operatório, sendo a permanência hospitalar média de 4 dias. O exame anatomopatológico das peças cirúrgicas revelou carcinoma de células transicionais pT1G3 em um caso; pT2a-b em oito casos; pT3a-b em três casos; e pT4 em um caso. Um paciente apresentou carcinoma epidermóide vesical pT2. Em dois casos houve linfonodos positivos, sendo um deles um pacientes com cirurgia de resgate para alívio de sintomas pós falha de QT e Rt onde as margens também foram positivas. Nos demais casos, tanto as margens de ressecção como os linfondos foram negativos. O tempo de seguimento médio foi de 36,9 meses, com um índice de recorrência sistêmica de 28,7%. Nesta série não detectamos recorrências locais grosseiras, exceto uma recidiva uretral.

Conclusão: Cistectomia radical laparoscópica é exequível, podendo ser uma alternativa cirúrgica no tratamento de pacientes selecionados com carcinoma vesical.

Palavras chave: laparoscopia, câncer, bexiga, cistectomia




INTRODUÇÃO

Cistectomia radical permanece como o tratamento de escolha para pacientes com carcinoma vesical invasivo ou câncer superficial recorrente de alto grau.1 As complicações da cistectomia aberta clássica variam de 25 a 35%, incluindo infecção e deiscência da ferida operatória da ordem de 10%.2,3 O sucesso da utilização da laparoscopia nas diversas especialidades cirúrgicas tem nos permitido ousar na realização dos mais variados procedimentos urológicos, inclusive no tratamento de neoplasias.3-12 O raciocínio teórico estabelecido é de que a morbidade da cistectomia poder ser diminuída com a utilização de técnicas minimamente invasivas sem comprometimento do controle oncológico. Os autores relatam sua experiência com um grupo de pacientes portadores de neoplasia vesical invasiva submetidos a cistectomia radical laparoscópica como monoterapia ou para resgate após falha de quimio e/ou radioterapia.



MATERIAL E MÉTODOS

Esta série aqui relatada consta de pacientes atendidos em clínica privada por um dos autores no período de Abril de 1998 até Março de 2005. Da análise retrospectiva desta população, foram identificados 14 casos de neoplasias vesicais invasivas e/ou superficial recorrente de alto grau com indicação de cistectomia radical e submetidos a abordagem laparoscópica.
Todos os pacientes tiveram estadiamento clínico completo no pré-operatório que constou de avaliação clínico-radiológica, exame pélvico sob anestesia e ressecção e/ou biópsia endoscópica. A investigação por imagens constou de urografia excretora, tomografia computadorizada abdômino-pélvica, raio-x de tórax e cintilografia óssea de corpo inteiro. Nenhum dos pacientes selecionados para cistectomia radical laparoscópica tinha evidência clínico-radiológica de doença extra-vesical e/ou envolvimento linfonodal no momento da indicação cirúrgica. O sistema de estadiamento utilizado neste trabalho foi o TNM como proposto pela American Joint Committee on Câncer.13


Técnica cirúrgica:

O preparo pré-operatório incluiu laxativos leves para higiene colônica e internação hospitalar no dia do procedimento com jejum de oito horas. Provas cruzadas e reserva de sangue foram realizadas rotineiramente e todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia no momento da indução anestésica. O procedimento foi realizado sob anestesia geral com entubação oro-traqueal e passagem de sonda vesical e tubo naso-gástrico.
O paciente é colocado em posição de Trendelenburg mantendo-se os membros inferiores abduzidos e braços ao longo do corpo, estando a torre do vídeo colocada nos pés do paciente. Empregamos rotineiramente abordagem transperitoneal com 5 portais de maneira similar ao que é empregado para a prostatectomia radical.8 Após a punção e estabelecimento do pneumoperitônio, um trocarte de 10/11 mm é inserido à nível da cicatriz umbilical e óptica de 0 grau é utilizada para revisão da cavidade e inserção dos demais trocartes sob visão direta. Os trocartes são arranjados em forma de V invertido com o vértice à nível da cicatriz umbilical para a óptica, outros dois trocartes também de 10/11 mm logo abaixo, para pinça de trabalho e bisturi ultrassônico, e outros dois trocartes adicionais de 5 mm mais laterais junto as espinhas ilíacas ântero-superiores para pinça auxiliar e aspirador, respectivamente.
Linfadenectomia pélvica bilateral é realizada desde a bifurcação dos vasos ilíacos comuns, tendo como limite lateral o nervo gênito-femoral, distalmente o anel inguinal e inferiormente a fossa obturadora e vasos hipogástricos. A seguir dissecam-se os ureteres até a sua inserção na bexiga onde são ambos seccionados. Os ureteres são inicialmente clipados para não haver extravasamento urinário excessivo durante os demais tempos cirúrgicos e dilatação hidrostática, o que facilitaria o manuseio final dos mesmos para derivação urinária. Alternativamente, a linfadenectomia pélvica poderá ser realizada após a retirada da bexiga tendo então mais espaço para trabalhar, o que facilitaria tecnicamente o procedimento.
No homem, o próximo passo é a identifcação dos ductos deferentes, utilizando-os como referência para abertura do peritôneo posterior e dissecção bilateral das vesículas seminais. Alternativamente, as vesículas seminais poderão não ser dissecadas sendo posteriormente retiradas em bloco juntamente com o espécime final, especialmente nos casos em que se utilizam grampeadores para os pedículos vésico-prostáticos. Incisa-se então a fáscia de Denonvilliers e o plano entre a próstata e o reto é exposto. Completa-se a dissecção posterior com ligadura dos pedículos vasculares vesicais e seguindo-se em sentido distal em direção aos ligamentos prostáticos laterais, o que poderá ser realizado com dissecção e clipagem, de preferência com clips de polímero, ou empregando grampeadores. A face anterior da bexiga é então dissecada da parede abdominal a partir da cicatriz umbelical e o espaço retro-púbico é abordado. A fáscia endopélvica é incisada bilateralmente e os ligamentos pubo-prostáticos seccionados. O complexo da veia dorsal do pênis é suturado laparoscopicamente com vycril 2-0 (agulha CT-1). A secção do complexo da veia dorsal e da uretra é realizada com o bisturi ultrassônico liberando completamente o espécime cirúrgico que é adequadamente disposto em um endobag para posterior remoção através da parede abdominal.
Na mulher, os tempos cirúrgicos são muito semelhantes, inciando-se com a linfadenectomia e a seguir liberando-se a parede posterior da vagina do reto. Parte-se então para a liberação vesical anterior, devendo o espécime cirúrgico final incluir bexiga, útero, porção anterior da vagina e ambos os ovários. A remoção da peça se faz por via vaginal, sendo a cúpula então suturada.
Para a ureterostomia cutânea laparoscópica, ambos os ureteres são dissecados o mínimo necessário para que atinjam a área cutânea sem tensão. O ureter esquerdo é trazido através do mesocólon sigmóide para o lado direito observando-se os mesmos princípios e cuidados da cirurgia aberta. Incisa-se a pele no local pré-determinado dependendo de condições locais do abdômen de cada paciente, porém em geral realizamos a ostomia na borda lateral do reto abdominal no terço proximal da linha que liga o umbigo a espinha ilíaca ântero-superior. Temos dado preferência ao espatulamento dos ureteres, suturando-os juntos e então anatomosando-os a um flap cutâneo em forma de V. Os ureteres são mantidos cateterizados com cateteres duplo J. No final do procedimento, temos realizado a retroperitonealização dos ureteres e drenagem local com drenos tubulares que serão retirados por um dos portais de 5 mm ou via uretral.


RESULTADOS

Doze homens e duas mulheres com idades entre 47 e 81 anos (média de 63,6 anos) portadores de carcinoma vesical invasivo (treze casos) ou superficial recorrente de alto grau (um caso) foram submetidos a cistectomia radical laparoscópica. Os dados gerais estão descritos sumariamente na tabela-1. Três pacientes foram resgatados cirurgicamente após falha do tratamento inicial com quimio e/ou radioterapia em protocolos de preservação vesical (casos 8, 11 e 14) sendo um deles submetido a cirurgia paliativa higiênica para alívio de sintomas sem possibilidades curativas (caso 14).
Todos os procedimentos foram completados por via laparoscópica sem maiores complicações intraoperatórias. O tempo cirúrgico médio foi de 180 min, variando de 120 a 360 min e a perda sanguínea estimada variou de 150 a 500 ml (média de 180 ml). Nenhum paciente necessitou transfusão sangüínea trans ou pós-operatória. Todos os pacientes receberam alta entre dois e sete dias após a cirurgia, com internação média de quatro dias.
O tipo histológico predominante foi carcinoma de células transicionais em 13 casos (93%), sendo um caso de carcinoma epidermóide. Conforme descrito na tabela 1, o exame anatomopatológico das peças cirúrgicas revelou carcinoma de células transicionais pT1G3 no caso 3; pT2aG3 no caso 11; pT2bG2 ou G3 nos casos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 12, 13; pT3aG3 no casos 6 e 9; e pT4G3 no caso 14. O paciente 10 apresentou um carcinoma epidermóide vesical pT2. As margens de ressecção e os linfondos foram negativos em todos os casos, exceto no casos 12, onde linfonodos foram positivos para neoplasia, e 14, onde linfonodos e margens foram positivas para tumor, tendo, neste paciente, a cirurgia sido somente higiênica como programado. Os pacientes 8, 11 e 14 foram submetidos a cirurgias de resgate após falha de protocolos de preservação vesical com quimio e/ou radioterapia.
O tempo de seguimento médio foi de 36,9 meses (4 a 96 meses), com um índice de recorrência sistêmica de 28,7%. Nesta série não detectamos recorrências locais grosseiras, exceto uma recidiva uretral.


DISCUSSÃO
Historicamente, cistectomia laparoscópica foi inicialmente descrita por Parra e colaboradores (cols) numa paciente feminina de 27 anos com derivação urinária supra vesical e complicações infecciosas na bexiga que fora deixada in situ.14 O tempo operatório foi de 130 minutos, a perda sangüínea de 130 ml e a mesma recebeu alta no quinto dia de pós-operatório. Sanchez de Badajoz e cols relataram, na literatura de língua inglesa, a primeira cistectomia radical laparoscópica em uma paciente feminina com carcinoma invasivo de bexiga derivada com ileostomia cutânea.11 O procedimento demorou em torno de 8 horas, a perda sangüínea foi mínima e o pós-operatório transcorreu normalmente. Denewer e cols relataram 10 casos de cistectomia laparoscópica cuja derivação urinária foi realizada por minilaparotomia.3 Türk e cols relataram cinco casos de cistectomia radical laparoscópica com derivação tipo pouch sigmoidiano com ótimos resultados.4 Finalmente, dois recentes relatos de Gill e cols com cistectomia radical laparoscópica com ileostomia cutânea e neobexiga ileal ortotópica respectivamente realizados completamente por laparoscopia.5,12
Estes resultados demonstram que a cistectomia radical laparoscópica é exequível envolvendo menor morbidade, recuperação mais rápida e conseqüentemente alta hospitalar mais precoce.3,4,7,9-12 Outras vantagens deste método seriam a não necessidade de laparotomia, perda sanguínea mínima, menor dor pós-operatória e melhor resultado estético. Complicações mais graves inerentes a laparoscopia como lesões viscerais por trocartes, arritmias cardíacas, hipercapnia, acidose, embolismo gasoso e outros não tem sido relatados de maneira significativa nas séries da literatura, e nem por nós observado, apesar do longo tempo cirúrgico em muitos casos.3,12 Estes dados iniciais em suma confirmam que, em mãos experientes, a cistectomia radical laparoscópica pode ser realizada com baixos índices de complicações.
Tecnicamente, a cistectomia radical laparoscópica pode ser realizada mantendo princípios oncológicos, o que tem sido por nós observado nesta série e relatado por outros.5,7,12 No entanto, este procedimento não deveria ser realizado antes do cirurgião adquirir segurança com a prostatectomia radical laparoscópica e linfadenectomia pélvica. O domínio do emprego de grampeadores facilita a cirurgia principalmente no controle dos pedículos vasculares, apesar de que nossa experiência mostra que utilizando bisturi ultrassônico e clips, preferencialmente de polímero, é possível tratar os pedículos vasculares vésico-prostáticos economizando até dez cargas de grampeadores lineares, reduzindo significativamente os custos da cirurgia. Alguma habilidade com sutura manual intracorpórea também é obrigatória antes de tentar a realização da cistectomia radical laparoscópica principalmente se alguma lesão entérica ocorrer durante a cirurgia ou se uma derivação usando segmentos intestinais for planejada.5,12 Por fim, não devemos esquecer que a linfadenectomia pélvica estendida, parte integrante do tratamento cirúrgico com intenção curativa no carcinoma vesical, é realizada de maneira eficaz e segura pela via laparoscópica, podendo ser realizada antes ou após a cistectomia.9-12,15
Embora nossa experiência confirme a de outros de que a cistectomia radical laparoscópica pode ser realizada com baixos índices de complicações, a reconstrução do trato urinário nos parece um problema mais complexo.3,4,5,9-12,16 As derivações urinárias continentes são amplamente aceitas tantos pelos urologistas como pelos pacientes e sem dúvida tem melhorado a qualidade de vida apesar de sua relativa maior complexidade e complicações potenciais. Crítica a esta nossa série inicial de pacientes refere-se ao tipo de derivação urinária empregada, principalmente por sua primariedade e elevados índices de estenose uretero-cutânea. Para um primeiro estágio de treinamento, julgamos razoável este tipo de derivação cutânea, e como muitos de nossos pacientes foram operados há muitos anos, a derivação mais simples foi escolhida para aumentar nossas probabilidades de sucesso com a abordagem minimamente invasiva. Tem sido nossa filosofia no aprendizado da laparoscopia realizar cirurgias de complexidade crescente a medida que adquirimos segurança com procedimentos mais simples, desenvolvendo e refinando a técnica a cada passo. Como a cistectomia radical com derivação urinária encontra-se entre os maiores procedimentos realizados pelos urologistas, em se empregando a abordagem laparosópica, todos os passos da cirurgia deverão ser vencidos seqüencialmente e com cuidado sob pena de não obtermos muitas vezes os resultados desejados. Para a solução do problema da estenose uretero-cutânea, temos mantido cateteres duplo J por períodos grandes de tempo, inclusive trocando-os ou recolocando-os se necessário for.
Na literatura, muitas tentativas foram feitas para a realização das derivações urinárias pós-cistectomias, desde laparotomia para confecção do conduto ileal ou derivação continente, ureterossigmoidostomias e suas variações e recentemente a confecção de Brickers e reservatórios continentes ortotópicos totalmente realizados intracorporalmente com sucesso.3,4,5,9-12 Embora já tenhamos realizado derivações urinárias continentes completamente intra-corpórea em animais para treinamento, nossa impressão é que o tempo é excessivamente longo e existem muitas diiculdades técnicas sendo uma cirurgia extremamente trabalhosa apesar da parte intestinal ser toda realizada com grampeadores. Recentemente, Basilote e cols apresentaram um estudo comparativo entre cistoprostatectomias radicais com neobexiga ileal ortotópica aberta versus cistoprostatectomias com neobexiga ileal ortotópica vídeo-assistida.16 Neste trabalho os autores realizaram cistoprostatectomia laparoscópica, fazendo em seguida uma incisão transversa no abdômen inferior para retirada da peça e confecção da neobexiga e reimplante ureteral abertos. Observaram vantagens em favor da cirurgia vídeo-assistida referente a morbidade pós-operatória, principalmente em relação a dor, período de internação, íleo pós-operatório e retorno as atividades habituais, com similar tempo cirúrgico. Resultados semelhantes foram relatados por Taylor e cols com cistectomia hand assisted e ureteroenterostomia cutânea, demonstrando, além da menor perda sangüínea, menor período de internação e retorno mais rápido as atividades habituais, com mesma eficácia oncológica.17 Esta alternativa nos parece ser a ideal para a resolução da questão da derivação urinária pós-cistectomia radical, já que nem todos os urologistas tem experiência suficiente com uso de grampeadores e sutura intracorpórea e realização de todo o procedimento por via laparoscópica. O tempo cirúrgico para a cistectomia radical e neobexiga ileal ortotópica tem sido em torno de 8 a 10 horas, comparado com 4 a 6 horas para o procedimento vídeo-assistido, com tempo de internação de 5 a 12 dias em ambas as séries.5,12,16,17
A experiência clínica acumulada tem demonstrado que o carcinoma vesical invasivo fica confinado a parede vesical durante algum tempo em sua evolução, podendo-se obter cura com excisão local do mesmo. Falhas no tratamento desta neoplasia são freqüentemente secundárias a presença de doença micrometastática no momento da cirurgia e muitos pacientes invariavelmente irão sucumbir apesar do bom controle loco-regional obtido com a cirurgia. A cistectomia radical laparoscópica é um procedimento tecnicamente avançado que tem sido proposto como alternativa a cirurgia aberta. Nossa experiência pessoal, associada a relatos da literatura, nos mostra mais de 150 casos operados até o momento com seguimento médio de um ano. A análise inicial destes dados sugere que a segurança da técnica e o controle oncológico são semelhantes aos da cirurgia aberta, existindo uso potencial para a cistectomia radical laparoscópica no tratamento de casos selecionados de pacientes com neoplasia vesical invasiva. Não tivemos nenhum caso de recorrência local grosseira, exceto uma recorrência uretral que não nos parece ter sido relacionada ao método ou qualquer procedimento técnico. Nosso índice de recorrência sistêmica foi de aproximadamente 30% com seguimento médio de 37 meses. Se comparado com séries de cistectomia clássica relatada na literatura, veremos que aproximadamente 20 a 35% dos pacientes com doença músculo-invasiva eventualmente morrerão em decorrência da neoplasia, ficando os índices de sobrevida em cinco anos em torno de 60 a 80% para doentes com estágio patológico T2 e T3a, caindo para índices de 30 a 50% para tumores T3b ou mais avançados.18 Apesar de precisarmos esperar pelo teste do tempo, provavelmente a cirurgia laparoscópica preencherá os quesitos oncológicos de maneira igual a cirurgia aberta do ponto de vista de controle local e índices de cura.
Em relação à cistectomia radical laparoscópica de resgate, a linha de raciocínio estabelecida é de introduzir a abordagem minimamente invasiva no intuito de reduzir as complicações de uma cirurgia de grande porte em pacientes já debilitados pela própria doença e pelos efeitos deletérios da quimio e/ou radioterapia, sem comprometer resultados oncológicos. Historicamente, a cistectomia de resgate pós-falha de quimio e/ou radioterapia tem indicação precisa em um número limitado de casos e os índices de cura geral são de 38% (25% a 60%), dependendo do volume e invasividade do tumor residual na peça cirúrgica.19 A cistectomia laparoscópica de resgate pós-radio e/ou quimioterapia foi realizada por nós em três casos. Todos os pacientes evoluíram bem e inclusive um deles, que foi submetido a cistoprostatectomia e uretrectomia, recebeu alta em 48 horas do procedimento. As cistectomias laparoscópicas de resgates são tecnicamente difíceis pelo grau de infiltração e aderência junto a parede óssea, especialmente junto ao púbis, e só deverá ser realizada por urologistas com boa experiência neste tipo de cirurgia pélvica. A dissecção junto ao reto e a linfadenectomia também tendem a ser difíceis e trabalhosas, algumas vezes com perda sangüínea considerável. Na literatura, existe uma série relatada de cistectomias laparoscópicas com derivação urinária aberta por Denewer e cols.3 Dos dez casos relatados, sete foram cirurgias de resgate pós-falhas de radioterapia externa em pacientes com carcinoma vesical epidermóide ou carcinoma de células transicionais estágios T3 e T4. Nesta série, de prognóstico reservado, ocorreu um óbito e um dos casos apresentou uma coleção pélvica que necessitou drenagem, tendo os demais casos evoluídos normalmente. Não houve complicações relacionadas com ferida operatória, houve significativa redução da morbidade pós-operatória em geral e se reduziu a média de internação nesta população específica de 2 a 4 meses para 10 a 13 dias.3 Apesar do pequeno número de cistectomias laparoscópicas de resgate relatados na literatura, existe também potencial para o emprego da abordagem minimamente invasiva nesta complexa situação urológica.


CONCLUSÃO
A cirurgia laparoscópica em uro-oncologia tem ganhado espaço com abordagem terapêutica para adrenal, rim e próstata. A última fronteira a ser desbravada é a bexiga, tendo as críticas à cistectomia radical laparoscópica sido centradas no tempo cirúrgico prolongado, dificuldades com a linfadenectomia pélvica estendida, custos, questões relacionadas a derivação urinária e validade oncológica. Vantagens da abordagem laparoscópica incluem a baixa morbidade pós-operatória, menor período de hospitalização e melhores resultados cosméticos. Cistectomia radical laparoscópica é hoje uma alternativa cirúrgica real no tratamento de pacientes com carcinoma vesical invasivo e resultados a longo prazo determinarão se os supostos benefícios da laparoscopia superarão custos operacionais e esforço dos urologistas em se dedicar a esta nova técnica. A redução dos custos, melhora do tempo cirúrgico, forma de treinamento dos urologistas para procedimentos mais complexos em laparoscopia, melhor maneira de realizar a derivação urinária e controle oncológico são questões que ainda esperam resposta neste momento.



Table 1. Patients characteristics

Patient Age Sex “Qt/Rt” Path stage Complication follow-up Recurrence


1 65 M - T2bG3N0/TCC none 96 months -
2 70 F - T2bG2N0/TCC none 63 months aortic nodes
3 59 M - T1G3N0/TCC none 60 months -
4 61 M - T2bG2N0/TCC none 48 months -
5 60 M - T2bG3N0/TCC none 48 months urethral recurrence
6 68 M - T3aG3N0/TCC none 40 months liver metastases
7 76 M - T2bG3N0/TCC none 39 months bone metastases
8 59 M yes T3bG3N0/TCC none 28 months -
9 59 M - T3aG3N0/TCC fever 26 months -
10 57 F - T2bN0/SCC none 24 months -
11 81 M yes T2aG3N0/TCC none 24 months inguinal metastases
12 62 M - T2bG2N1/TCC none 6 months lost follow up
13 47 M - T2bG2N0/TCC linforréia 5 months -
*14 67 M yes T4G3N1/TCC none 4 months -
“Qt/Rt” – pacientes submetidos a cistectomia de resgate pós-falha de protocolos de preservação vesical.
* - paciente submetido a cistectomia higiênica sem possibilidades curativas por hematúria intratável.
TCC – carcinoma de célula transicionais
SCC – carcinoma epidermóide vesical


REFERENCES

1.Montie, J.E., Straffon, R.A., Stewart, B.H.: Radical cystectomy without radiation therapy for carcinoma of the bladder. J Urol, 131:477, 1984.
2. Skinner, D.G., Crawford, E.D., Kaufman, J.J.: Complications of radical cystectomy for carcinoma of the bladder. J Urol, 13:640-5, 1980.
3. Denewer, A. Kotb, S., Hussein, M.B.B., El-Maadawy, M.: Laparoscopic assisted cystectomy and lymphadenectomy for bladder cancer: initial experience. Worl J Surg, 23(6):608, 1999.
4. Türk, I., Deger, S., Winkelmann, B., Schönberger, B., Liening, A.S.: Laparoscopic radical cystectomy with continent urinary diversion (rectal sigmoid pouch) performed completely intracorporeally:the initial 5 cases. J Urol, 165:1863, 2001.
5. Gill, I.S., Fergany, A., Klein, E.A., et al: Laparoscopic radical cystoprostatectomy with ileal conduit performed completely intracorporeally: the initial 2 cases. Urology, 56(1):26, 2000.
6. Guillonneau, B. and Vallancien, G.: Laparoscopic radical prostatectomy: the Montsouris experience. J. Urol., 163:418, 2000.
7. Jacob, F., Salomon, L., Hoznek, A. et al: Laparoscopic radical prostatectomy: preliminary results. Eur Urol., 37:615, 2000.
8. Abbou, C.C., Salomon, L., Hoznek, A., et al.: Laparoscopic radical prostatectomy: preliminary results. Urology, 53:630, 2000.
9. Puppo, P., Perachino, M., Ricciotti, G. et al: Laparoscopically assisted transvaginal radical cystectomy. Eur Urol, 27:80, 1995.
10. Kozminski, M., Partamian, K.O.: Case report of laparoscopic ileal loop conduit. J. Endourol, 6:147, 1992.
11. Sanchez de Badajoz, E., Gallego Perales, J.L., Reche Rosado, A., et al.: Laparoscopic cystectomy and ileal conduit: case report. J. Endourol, 9:59, 1995.
12. Gill, I.S., Kaouk, J. H., Meraney, A. M. et al: Laparoscopic radical cystectomy and continent orthotopic ileal neobladder performed completely intracorporeally: the initial experience. J. Urol., 168:13, 2002.
13. American Joint Committee on Cancer: AJCC Cancer Staging Manual. Urinary bladder. Philadelphia, Lippincott-Raven. 1977, 5th ed.; 41-6.
14. Parra, R.O., Andrus, C.H., Jones, J.P. et al: Laparoscopic cystectomy: initial report on on a new treatment for the retained bladder. J. Urol., 148:1140, 1992.
15.Herr, H.W., Bochner, B.H., Dalbagni, G. et al: Impact of number of lymph nodes retrieved on outcome in patients with muscle invasive bladder cancer. J. Urol., 167:195-98, 2002.
16. Basilote, J.B., Abdelshehid, C., Ahlering, T.E., Shanberg, A.M.: Laparoscopic assisted radical cystectomy with ileal neobladder: a comparison with the open approach. J. Urol., 172(2):489-93.
17. Taylor, G.D., Duchene, D.A., Koeneman, K.S.: Hand assisted laparoscopic cystectomy with minilaparotomy ileal conduit: series report and comparison with open cystectomy. J. Urol., 172:1291-6, 2004.
18. Wishnow, K.I., Levinson, A.K., Johnson, D.E. et al.: Stage B (P2/3a/N0) trasnsitional cell carcinoma of the bladder highly curable by radical cystectomy. Urology, 39:12-16, 1992.
19. Crawford, E.D., Skinner, D.G.: Salvage cystectomy after irradiation failure. J. Urol., 123:32-8, 1980.

ANTERIOR TODOS PRÓXIMO

AGENDAMENTO DE CONSULTAS
| +55 51 99206 4807 | | +55 51 3230 2730 |

CIRURGIA ROBÓTICA

Na década de 1980 as cirurgias endoscópicas e laparoscópicas deram um grande salto com o advento das microcâmeras.

Surgiram os primeiros robôs médicos, como o braço robótico PUMA 560, que em 1985 auxiliou uma biópsia durante uma neurocirurgia.

SAIBA MAIS

A TÉCNICA DE MIRANDOLINO

Em 1999 o Dr. Mirandolino Mariano faz a primeira cirurgia por laparoscopia, publicando o relato de caso da técnica pioneira em 2002, no Journal of American Urological Association.

SAIBA MAIS